Ao abrir como moderadora o segundo painel do Seminário dos Fundos de Pensão e Patrocinadores Privados 2024, promovido em junho pela APEP e IPCOM, Aparecida Pagliarini, membro do Conselho Deliberativo do IPCOM, comentou que, a seu ver, à sigla ESG, deveria ser acrescentada a letra E, de Economia, principalmente quando se trata do uso desses princípios no setor de previdência privada. A seguir, convidou o primeiro palestrante a fazer a sua apresentação.
Narlon Gutierre Nogueira, Diretor do Departamento de Políticas e Diretrizes de Previdência Complementar da Secretaria de Regime Próprio e Complementar, do Ministério da Previdência Social, ao trazer diversas imagens da catástrofe recente do Rio Grande do Sul, despertou a atenção para o fato de que tais eventos estão mais próximos de nós, no Brasil, no tempo e no espaço, do que poderíamos imaginar.
Na sequência, sumarizou o conteúdo a ser por ele abordado, em três pontos principais: Contextualização dos Princípios ESG, Responsabilidades ESG nos Fundos de Pensão e Regulação no Cenário Brasil
No que se refere à contextualização do tema, comentou sobre a origem do Pacto Global da ONU, lembrando que as questões ligadas à sustentabilidade remontam desde a década de 1970 e fez referência aos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável traçados pela ONU em 2015 para serem atingidos até 2030.
A partir daí, didaticamente, passou a detalhar os diversos aspectos e características contidos em cada uma das categorias – ambiental, social e de governança – e relacioná-las no contexto geral aos fundos de pensão.
Sobre a agenda da ONU, fez uma interessante, talvez alarmante, constatação:” Relatório publicado pela ONU em 2023, ou seja, na metade do prazo estabelecido de 15 anos, mostra que 37% dos objetivos não tiveram avanços significativos, alguns até retrocederam, impactando as pessoas mais vulneráveis”, afirma Narlon.
Em relação à responsabilidades ESG nos fundos de pensão, trouxe dados que atestam a importância do nosso setor na economia – quase R$ 1,3 trilhão em ativos sob gestão, o que representa cerca de 12% do PIB nacional -, ressalvando que tal posição está há anos estagnada; a sua influência no mercado de capitais e na alocação de recursos financeiros; e, por fim, comentou sobre a renda suplementar e proteção social, destacando que “no Brasil, quem paga benefícios e preserva renda para as pessoas é a previdência fechada.”
Em seguida, detalhou as motivações para adoção dos princípios ESG para os fundos de pensão, quais sejam: cumprimento do dever fiduciário, pressões regulatórias, alinhamento com valores éticos e reputacionais e potencial para retornos financeiros sustentáveis. E apresentou recomendações para implementação dos princípios ESG nas EFPC, que, entre outras, consideram o desenvolvimento de Políticas de Investimentos ESG alinhadas às diretrizes de investimentos das EFPC a tornar-se signatário do PRI (Principles for Responsible Investment).
Ao encerrar a segunda parte de sua exposição, Narlon descreveu os desafios e as oportunidades para as EFPC, detendo-se, principalmente, na “falta de dados padronizados”, ressaltando que “o Brasil ainda não tem taxonomia própria”, razão pela qual deve utilizar frameworks e padrões reconhecidos, como GRI (Global Report Iniciative e o TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures) e investir em tecnologias e inteligência artificial para coletar, processar e analisar dados ESG.
Na última etapa de sua apresentação, expôs o cenário brasileiro, informando que os órgãos reguladores do setor de previdência complementar vêm editando normas no sentido de incentivar a adoção de práticas que levem à inserção dos critérios ESG nos investimentos e nas atividades das EFPC. Destacou as resoluções da CMN nº 4.994 e da Previc nº 23, bem como o Guia Previc de Melhores Práticas em Investimento, editado em 2019.
No contexto da regulação, voltou a comentar sobre a Taxonomia Sustentável Brasileira, que tem foco no Social e no enfrentamento das desigualdades. Ao detalhar o cronograma de seu desenvolvimento, iniciado em maio de 2023 com a formação de um comitê interministerial, Narlon comunicou que o ato de sua implantação deverá ser publicado em novembro deste ano. E o seu “uso tornado obrigatório a partir de janeiro de 2026 pelas entidades de fundos de pensão".
Por fim, lembrou a todos da existência da cartilha “Incorporando critérios ASG”, que traz orientações sobre as estratégias de investimentos, a seleção dos gestores, o modelo sugerido de relatório ESG e dicas de como inserir ESG na governança da Entidade.
A segunda palestrante, Magdarlise Dal Fiume Germany, sócia e líder em Serviços de Estratégias e Pesquisas da Mirador, abordou os princípios ESG na esteira do pilar Social e com foco na educação financeira e tributária.
Após afirmar que “ESG está no DNA da sua empresa”, trouxe à reflexão uma série de conceitos. Entre eles, alguns como “grandes empresas que adotam as medidas ESG devem olhar para a previdência privada com outros olhos”; previdência não se trata apenas de uma poupança individual, mas sim é uma forma de Investimento a longo prazo, um mecanismo que visa a sustentabilidade financeira no futuro e que contribui para o desenvolvimento econômico dos brasileiros, tendo uma função social de destacada importância.”
Para contextualizar a sua apresentação, apresentou dados de pesquisa sobre endividamento e inadimplência como os do Banco Central que informou que, em 2022, o número de clientes endividados havia chegado em 84,7 milhões, sendo 30,9% maior do que em 2019; também do Raio X financeiro da Anbima, que na edição 2023, sobre fontes de sustento na aposentadoria versus quantidade de pessoas, os dados apontaram que 91,5% dependem do INSS e apenas 4,8% da previdência privada.
Adicionalmente, informou que somente 30% dos brasileiros conseguiram economizar algum valor em 2023. Desses, para cumprir esse propósito, 44% diminuíram gastos deixando alguns prazeres como viajar e deixar de ir em festas, 22% evitaram compras desnecessárias, 19% passaram a controlar as despesas e 17% passaram a guardar mensalmente uma parte do salário.
Quanto àqueles brasileiros que aplicam ou pretendem continuar aplicando no mercado, os dados apresentam uma curva descendente da previsão para a realidade. Se em 2021, 3% previam aplicar em 2022 e o resultado real apresentou 5%, em 2022, a queda foi brutal, com a previsão indicando 5% e no fim de 2023 apenas 1% realizou aplicações. Para 2024, a previsão aponta para 4%. Veremos como ficará ao término deste ano.
Surpreende o crescimento das apostas on-line. Cerca de 22% dos brasileiros consideram esse mercado como investimento. Em 2023, 14% dos brasileiros “investiram” em apostas esportivas, percentual somente inferior ao número de investidores em poupança (25%).
Dados do Ministério da Fazenda (março de 2024) mostram que o mercado de apostas esportivas já movimenta cerca de R$ 100 bilhões por ano. De outra parte, aproximadamente R$ 193 bilhões foi o volume de contribuições recebido pelos planos de previdência complementar aberta e fechada em dezembro’2022.
Finalmente, no contexto de sua apresentação, Magda abordou a questão da longevidade em contraponto com a expressiva redução da taxa de fecundidade e o endividamento crescente da população brasileira, o que traz “desafios significativos para a sustentabilidade dos sistemas de previdência, cuidados de saúde para idosos, planejamento urbano e políticas de emprego”, apontou.
Em decorrência disso, como uma saída para o crescimento da previdência social, ela diz que “precisamos, mais do que nunca, pensar no futuro das nossas crianças, tarefa nada fácil, pois pensar e planejar o futuro parece ser algo cada vez mais complexo”, acrescentando que há necessidade de se buscar soluções modernizadoras para os planos de previdência onde os jovens, a geração que ainda tem uma longa caminhada dentro do mercado de trabalho, também perceba a importância dessa modalidade de investimento financeiro.
Nesse aspecto, colocou foco na Geração Z (nascidos nos anos 90 e até meados da década de 2000) e descreveu suas características principais, como um público que valoriza experiências em detrimento de bens materiais e que são mais preocupados com a sustentabilidade, responsabilidade social, segurança financeira e o empreendedorismo.
“O planejamento para o futuro da geração Z envolve uma combinação de educação, desenvolvimento de habilidades, conscientização financeira, adaptação às mudanças tecnológicas e priorização do bem-estar pessoal e global. Ao adotar uma abordagem proativa e holística para o planejamento de suas vidas, os membros da geração Z podem se preparar melhor para os desafios e oportunidades que o futuro reserva”, resume Magda.
Finalizando a sua apresentação, a palestrante trouxe dicas de como atingir esse público, com a valorização da tecnologia e do intenso uso da ‘gameficação’, apresentando o bem-sucedido projeto ValiaVerso com foco na educação financeira implementado pela Mirador.
Coube à doutora em finanças Carla Leal, Chief Revenue Officer da Ambipar ESG, a terceira palestra no painel. Em sua apresentação intitulada “Risco Climático: Dever de rentabilidade x impacto nas alocações de recursos”, ao contextualizar os fundos de pensão com base nos principais indicadores financeiros do setor, destacou os R$ 91 bilhões investidos em ações de empresas comparativamente aos R$ 1,3 trilhão de ativos totais.
Após essa introdução, colocou a provocação que norteou a sua exposição: “É possível conciliar esse dever fiduciário com responsabilidade climática?
Tendo como pano de fundo imagens de diversas catástrofes no mundo originárias de fenômenos da natureza em 2023 e 2024, inclusive no Brasil como a tempestade em Salvador (BA) e deslizamentos de terra em São Sebastião (SP), evidenciou a tragédia no Rio Grande do Sul, em maio deste ano.
Os números impressionam. Em meio a cerca de 2,3 milhões de pessoas atingidas e 150 mortos em 460 municípios, essa tragédia climática acarretou quase R$ 9 bilhões em prejuízos financeiros. ”Ou seja, aproximadamente 10% do valor total investido pelos fundos de pensão em ações, fora valores pagos em indenizações, da ordem de R$ 1,7 bilhão, afirma Carla.
A questão ambiental não se restringe tão somente ao meio ambiente. Envolve também as pessoas. “Hoje, no mundo, há entre 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas vivendo em contextos altamente vulneráveis às mudanças climáticas”, informa Carla.
E na sequência, atribuiu tais mudanças ao efeito estufa. “Deveríamos estar mirando em um aquecimento máximo de 1,5º C, mas, de acordo com o compromisso dos países, estamos caminhando para 3º C no aumento da temperatura no globo terrestre”. Segundo ela, “isso levará, por exemplo, à savanização da Amazônia, à sua desertificação”.
Em 2023, no mundo, as perdas climáticas responderam por 398 eventos e 95 mil mortes. Custaram USD 380 bilhões. “É mais do que o total de ativos dos fundos de pensão no Brasil”, comentou a palestrante, que também apresentou outros dados relativos aos impactos financeiros para ressarcir perdas climáticas.
Nesse particular, os bancos centrais ao redor do mundo têm incorporado fatores de risco climáticos em testes de estresse financeiro para entender em que medida os bancos poderão sofrer expressivos prejuízos. “O Banco Central Europeu projetou perdas agregadas de 70 bilhões de euros ao longo de três anos para os bancos participantes. E, no Brasil, em 2023, o Banco Central também pesquisou 83 instituições financeiras”, exemplificou Carla.
E como os gestores de fundos de pensão deverão avaliar as empresas com base nos critérios ESG? De acordo com a palestrante, devem ser analisados não somente os riscos de exposição às variáveis climáticas - tempestades, seca, inundações entre outras -, mas também variáveis socioeconômicas, como melhoria do nível das mulheres e taxa de fecundidade, situação geopolítica etc.
Finalizando, Carla aproveitou para alertar sobre a litigância climática ao afirmar que “é cada vez maior o número de processos contra conselhos e gestores dos fundos de pensão no mundo por não terem sido diligentes na seleção de suas carteiras.” E para responder à questão que foi o fio condutor de sua apresentação – É possível conciliar o dever fiduciário com a responsabilidade climática? – ela recomenda a rigorosa análise das empresas com base em três pontos: volume de emissão de gases efeito estufa e as metas de redução; riscos a que essa empresa está exposta e o risco que o próprio fundo está assumindo a partir dos seus investimentos.
Antes de passar a palavra ao último palestrante do painel, Aparecida comentou sobre um caso acontecido na Nova Zelândia em que um participante de um fundo de pensão entrou com uma ação judicial contra a diretora responsável no qual questionava o investimento feito em determinada empresa. “A diretora teve que se explicar perante a justiça, mas, ao final, foi absolvida”, afirmou Aparecida.
Cesar Aragão, Principal da Vinci Partners, introduziu a sua exposição dizendo que sob a ótica do ESG deveremos olhar com atenção para as duas questões, a ambiental e a social, mas que, especificamente no Brasil, a questão social se reveste de fundamental importância porque, de maneira geral, as questões ambientais impactam mais as pessoas que estão na base da pirâmide social.
Na primeira parte de sua apresentação, abordou a importância do ESG para diversos públicos. No tocante aos investidores, além do lucro, estes deverão ter um olhar mais atento para investir nas empresas que gerenciam questões relevantes de ESG. Segundo ele, tais “empresas tendem a se adaptar rapidamente às tendências ambientais e sociais, usar recursos de forma eficiente, ter funcionários mais engajados e enfrentar menores riscos de multas regulatórias ou danos à reputação”. E isso irá se refletir em empresas mais lucrativas em benefícios financeiros para seus investidores.
Sob a ótica das empresas, Cesar identifica cinco alavancas para geração de valor ao se adotar uma abordagem consistente de ESG: crescimento de receita, pela atração de clientes mais alinhados com suas propostas de valor e pela maior estabilidade no acesso a recursos pelo relacionamento com a comunidade e governo; redução de custos pela diminuição do consumo de energia e de água e no menor custo com embalagens; menor intervenção regulatória pela redução do risco de multas e outras penalidades, além de atrair menos a interferência de reguladores e órgãos de supervisão; ganhos de produtividade pelo aumento da motivação e da lealdade dos funcionários e pela maior capacidade de atrair e reter talentos e, finalmente, pela otimização dos investimentos na melhoria do retorno do investimento pela melhor alocação de capital em plantas e equipamentos mais sustentáveis.
Adicionalmente, Cesar observou o incremento da conscientização dos investidores. “As novas gerações consideram mais os princípios ESG na tomada de decisão. Pesquisas indicam que o percentual dos grupos que concorda que ESG é importante em seu processo de investimento: 87% no grupo Millenials, 65% na geração X e 48% dos Baby Boomers. A mesma pesquisa conclui que as mulheres, com 64% superam os homens, com 46%”, explica Cesar.
O palestrante também comentou que diversos estudos mostram que existe uma relação direta entre a integração ESG e a performance dos ativos. “Isso fica bem evidenciado em várias regiões do mundo. A exemplo da América do Norte e do grupo formado pelas economias emergentes”, afirma. Além de questões de performance, incorporar ESG nas decisões de investimento tem uma componente importante na gestão de risco nas questões regulatórias, operacionais, mercadológicas e de reputação.
Na segunda parte de sua exposição, César ressaltou que o modelo ESG adotado pela Vinci segue as melhores práticas locais e internacionais e tem uma governança bastante sênior em sua estrutura organizacional. “Vale dizer ainda que Vinci é uma das primeiras gestoras independentes signatária do PRI – Principles for Responsible Investment no Brasil. O nosso conceito está no topo da escala global, com atribuições “A” tanto para a Vinci Partners como para a Vinci Private Equity”, enfatizou o palestrante.
César ainda esclareceu sobre o posicionamento dos produtos da Vinci, que consideram Investimento Responsável e Impacto vs. Filantropia. Ele explica que “a gestora também mantém a intenção de criar e medir o impacto em filantropia e o foco em áreas que exigem 100% de trade-off financeiro”.
Finalizando a sua apresentação, ele informou que a Vinci tem ferramentas para desenvolver produtos nos diferentes espectros de perfis de investimento: responsável, sustentável e de impacto.
Ao término do painel, a moderadora Aparecida, após resumir a exposição dos quatro palestrantes, observou que o pilar Governança não foi abordado. Nesse contexto, aproveitou para lembrar que não é dever fiduciário obter rentabilidade nos investimentos. “A rentabilidade não é um dever, mas sim deve-se perseguir os resultados previstos por meio de um bom processo de tomada de decisão”, afirmou a moderadora.
Segundo ela, elogiando a Resolução Previc nº 23, somente deve ser punido o ato praticado com má fé, o que, em última análise, privilegia o ato regular de gestão, que precisa estar presente na tomada de decisão sobre investimentos. “Essa tomada de decisão começa pela aprovação da Política de Investimentos pelo Conselho Deliberativo e chega ao Conselho Fiscal, que deve acompanhar a adesão aos investimentos à política traçada pelo Conselho”, finaliza Aparecida.